Aveiro: Maravilhas de Portugal

Uma região entre a Ria e o Mar
«A ria (haff-delta: nome científico) é um enorme polipo com os braços estendidos pelo inte­rior desde Ovar até Mira.
Todas as águas dos rios Vouga e Águeda e dos veios que nestes sítios correm para o mar encharcam as 46 terras baixas, retidas pela duna de quarenta e tantos quilómetros de comprimento, formando uma série de canais, de lagos e uma vasta bacia salgada.
Nota: Nas duas figuras (em cima): Vista aérea do haff-delta de Aveiro - "Ria de Aveiro"
De um lado, o mar bate e levanta constantemente a duna, impedindo a água de se escoar, do outro, é o ser humano que junta a terra movediça e a regulariza. Abre canais e valas. Semeia o milho na ria. Povoa a terra alagadiça, e à custa de esforços persistentes, obriga a areia inútil a renovar constantemente a vida. Edifica sobre a água, conquistando-a, como na Gafanha, onde alastra pela ria. Exploram a ria os mercanteis, que fazem o tráfego da sardinha, os barqueiros que fazem os fretes marítimos, os rendeiros das praias que lhes aproveitam os juncais, os marno­tos, que se empregam no fabrico do sal, os moliceiros, que apa­nham as algas, e finalmente os pescadores da Murtosa, que são os únicos a quem se pode aplicar este nome, e que entre outras redes usam a soalheira, a rede de salto, a murgueira e a bran­queira.

O homem, nestes sítios, é quase anfíbio: a água é-lhe essen­cial à vida e a população filha da ria é condenada a desaparecer com ela. Se a ria adoece, a popu­lação adoece. A ria, como o rio Nilo, é quase uma divindade. Só ela gera e produz. Todos os limos, todos os detritos vêm carreados na vazante até à planície onde repousam».

Era assim que Raúl Brandão, no seu livro «Os Pescadores», via a ria. E acrescentava: «Ninguém aqui vem que não fique seduzido, e noutro país esta região seria um lugar de vilegiatura privilegiado. É um sítio para contemplativos e poe­tas: qualquer fio de água lhes chega e encanta. É um sítio para sonhadores e para os que gos­tam de se aventurar sobre quatro tábuas, descobrindo motivos im­previstos. É-o para os que se apaixonam pelo mar profundo, e para os medrosos que só se arriscam num palmo de água ­ porque a ria é lago e mar ao mesmo tempo. Com meios muito simples, um barco saleiro e uma barraca, tem-se uma casa para todo o Verão. Pesca-se. Sonha­ -se. Toma-se banho. E esquece­ se a vida prática e mesquinha.

Nota: Na figura (em cima): As proas dos moliceiros são verdadeiras obras de arte popular. São quase sempre pintadas pelos próprios pescadores, e representam santos ou outras imagens protectoras da embarcação.

Dorme-se ao largo, deitando-se a fateixa ou abica-se ao areal: um fogaréu, uma vara, a caldeirada ... Começam a luzir no céu e na ria, ao mesmo tempo, maríades de estrelas. Vida livre de alguns dias, de que fica um resíduo de beleza que nunca mais se extin­gue. É a ria também sítio para os que querem descobrir novas terras à proa do seu barco e para os que amam a luz acima de todas as coisas. E é este o ponto da nossa terra onde ela atinge a suprema beleza. Na ria o ar tem nervos. A luz hesita e cisma e esta atmosfera comunica distin­ção aos homens e às mulheres, e até às coisas, mais finas na claridade carinhosa, delicada e sensível que as rodeia. A luz aqui estremece antes de pousar ... »

AVEIRO: A CIDADE E A PAISAGEM
Actualmente, a cidade já pouco tem de muito antigo: os restos das suas antigas muralhas desaparece­ram totalmente; os vetustos edi­fícios dos seus seis conventos ou foram demolidos ou transforma­dos em quartéis e repartições; das velhas arcarias dos seus pitorescos aquedutos já não resta a não ser a lembrança. Além da casa da Câmara, com a sua torre central, o pórtico renas­cença da Misericórdia, o cruzeiro de S. Domingos, o convento de Santa Joana, a interessante arcada dos Balcões, a capela do Senhor das Barrocas, e uma outra das suas lindas casas do século XVIII, todos os outros edi­fícios, públicos e particulares, se fundem na incaracterística bana­lidade das construções modernas.
Na figura (em cima): Vista parcial do centro da cidade (Ria de Aveiro).
Mas no dédalo de ruelas que a cidade desenvolve, duas coisas lhe dão um cunho inconfundível e a tornam uma das mais bonitas e interessantes povoações de Portugal: a vasta ria que a envolve e penetra e a variadíssima paisa­gem em que ela, na sua alvura de povoação marítima, muito branca e limpa, onde está engas­tada.
Na figura (em cima): A igreja de Valegas, um dos monumentos mais característicos da região de Aveiro.

Quem, por uma calma e luminosa manhã de Agosto deixar a cidade, seguindo a estrada da Barra, ladeada de marinhas de um lado e da ria por outro e parando a meio do caminho terá a larga visão panorâmica de uma das mais admiráveis e soberbas paisagens do nosso país.

Na figura (em cima): Centro histórico da cidade de Aveiro.

Voltando-se para a cidade, por sobre os tabuleiros de sal, de águas poli­das divididas como um enorme vitral, vê-la-á estender-se numa onda de casario acotovelado - ­ traços brancos de paredes sob traços vermelhos dos telhados - ­ acima dos quais se erguem per­fis de torres e altos muros de edifícios públicos. Depois, lá para o fundo, uma enorme gama de verdes, campos imensos, com massa de arvoredos - choupos e salgueiros que formam as cor­tinas marginais do rio Vouga.

Na figura (em cima): Vista parcial da bela Ria de Aveiro.

De toda essa mole imensa de ver­dura surgem as brancas aldeias vizinhas aconchegadas aos cam­panários das igrejas. Ao fundo, onde o céu toca a terra, vêem-se as serranias majestosas de Arouca, das Talhadas e do Caramulo.

Na figura (em cima): Vista da Serra do Caramulo.

Na figura (em cima): Parque eólico na Serra de Arouca.

Voltando costas à cidade, terá diante de si as águas mansas da extensa ria, fulgurando por todos os lados; e, entre elas, as sali­nas, com os seus montes cóni­cos de sal dando a impressão de um grande acampamento de ten­das brancas, espalhadas a per­der de vistas pelos "polders».

Na figura (em cima): Centro da cidade, sempre com a Ria a marcar presença.

Para Sul vai o braço da ria que segue para Ílhavo e Vagos margi­nada pelos pinhais e campos arenosos da Gafanha; em sen­tido inverso, o outro braço que se alonga para as Duas Águas e vai dar a Barra, a poente a linha suave das dunas da costa, vapo­rizadas pela tremolina.

Na figura (em cima): A noite de Aveiro, junto à Ria.

Para Norte, a imensa ria da Torreira, onde o arquipélago das ilhas baixas for­madas pelos aluviões: a Testada, o Amoroso, a dos Ovos, das Gai­votas do Monte Farinha, verde­jando nas suas prias de juncos. E nesta vastidão de águas tranqui­las, nesse gigantesco polvo flu­vial que por todos os lados es­tende os seus fluidos tentáculos há sempre uma vela branca des­lizando sobre as águas, como a asa de uma gaivota.

Na figura (em cima): As casas típicas dos pescadores de Aveiro.
A Gastronomia
Outro dos aliciantes de quem visita terras de Aveiro é consti­tuído pela gastronomia. As cal­deiradas. As enguias de escabeche. As espetadas de mexilhão. O carneiro «na caçoila-preta». O cabrito assado no forno. O leitão à moda da Bairrada, os vinhos da região. Dos doces, uma infini­dade, que dos conventos ficou a escola. Os falares em forma de coração, coroados de formas douradas. As raivas. Os bolos «de 24 horas». E a especialidade das especialidades. Os ovos­ -moles.

2 comentários:

  1. Mais uma postagem que além do excelente texto é repleta de magníficas imagens...
    Parabéns

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  2. Que cidade fantástica!!! Preciso conhecê-la imediatamente!!!

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